neste artigo, reflete-se sobre o uso extensivo de sepultamentos irregulares em cemitérios públicos como método de desaparecimento/eliminação de cadáveres durante a última ditadura civil-militar na Argentina. A partir de uma perspectiva histórico-antropológica, investiga-se um caso paradigmático: a descoberta de uma das maiores valas comuns da América Latina, localizada no Cemitério San Vicente, na cidade de Córdoba, Argentina. O pressuposto que orienta a análise é o de que o sepultamento irregular implicou a intervenção de órgãos burocrático-administrativos ligados ao manuseio regular de cadáveres --hospitais, necrotérios e cemitérios públicos--, levando à existência de vestígios documentais que, até o momento, demonstram seu uso e extensão. Parte-se da descrição de uma carta escrita em 1980 por funcionários do necrotério e de um artigo de jornal sobre a primeira identificação em Córdoba, como marcadores temporais de um longo processo de busca. A reconstrução geográfica e histórica de San Vicente e suas práticas de sepultamento nos permitem configurá-lo como um território de marginalidade e impureza, como um receptor dos corpos dos doentes, dos pobres e dos "delinquentes subversivos". Analisados como artefatos culturais, os livros de admissão do necrotério e a carta de 1980 fornecem evidências de diferentes aspectos da prática do enterro irregular e da maneira como os corpos dos assassinados eram incorporados às rotinas das instituições estatais. Esses registros se mostraram cruciais no trabalho antropológico forense de busca e de localização da grande vala comum. O artigo se enquadra em estudos que enfocam as formas "legais" e "administrativas" de repressão e de terror estatal. Ele procura destacar a importância da pesquisa preliminar e da interdisciplinaridade na aplicação da antropologia forense, não apenas na área geográfica analisada, mas também no esclarecimento das múltiplas formas de violência que atravessam a região. [ABSTRACT FROM AUTHOR]